ZERO HORA ( Domingo 02 Out 2011)
Exatos 50 dias depois de começar a mais acintosa onda de rebeldia na história da Brigada Militar, o governador Tarso Genro perdeu a paciência. Na sexta-feira, 23 de setembro, os protestos por melhores salários viraram ato de terrorismo com ameaça a bomba ao governador e a familiares. Furioso, Tarso determinou a renovação do perfil do serviço secreto da BM. Há quem diga que isso, a longo prazo, custará o cargo ao comandante-geral, Sérgio Roberto de Abreu. A não ser que ele apresente os responsáveis pelos mais de 70 protestos iniciados com queima de pneus que chamuscaram a imagem da BM e culminaram com a ameaça ao chefe do Executivo
A relação do comando da Brigada Militar com o Palácio Piratini e a Secretaria da Segurança Pública vem sofrendo arranhões desde 4 de agosto, quando se iniciaram as manifestações mais radicais no Estado. Outros casos foram se sucedendo pelo Interior, mas tratados como isolados. A orientação era para cada batalhão apurar o ocorrido na sua área. E havia o entendimento de que os autores poderiam ser de fora da BM, e a competência de investigação, também.
Exatos 50 dias depois de começar a mais acintosa onda de rebeldia na história da Brigada Militar, o governador Tarso Genro perdeu a paciência. Na sexta-feira, 23 de setembro, os protestos por melhores salários viraram ato de terrorismo com ameaça a bomba ao governador e a familiares. Furioso, Tarso determinou a renovação do perfil do serviço secreto da BM. Há quem diga que isso, a longo prazo, custará o cargo ao comandante-geral, Sérgio Roberto de Abreu. A não ser que ele apresente os responsáveis pelos mais de 70 protestos iniciados com queima de pneus que chamuscaram a imagem da BM e culminaram com a ameaça ao chefe do Executivo
A relação do comando da Brigada Militar com o Palácio Piratini e a Secretaria da Segurança Pública vem sofrendo arranhões desde 4 de agosto, quando se iniciaram as manifestações mais radicais no Estado. Outros casos foram se sucedendo pelo Interior, mas tratados como isolados. A orientação era para cada batalhão apurar o ocorrido na sua área. E havia o entendimento de que os autores poderiam ser de fora da BM, e a competência de investigação, também.
A BM tinha obrigação de sufocá-los para
evitar que chegassem a Porto Alegre. Não conseguiu. Na madrugada de 1º
de setembro, uma cortina de fumaça na Avenida Mauá fechou a entrada da
Capital. O Piratini exigiu providências. O comandante da Brigada
Militar, Sérgio Abreu, foi acordado no meio da noite e a estratégia de
ação foi alterada. A Corregedoria-geral abriu inquérito para apurar o
episódio e as possíveis conexões com os casos do Interior. Foi criada
uma força-tarefa com cerca de 15 oficiais de elite da tropa.
No Piratini, o núcleo de gestão,
integrado por Tarso, pelo vice-governador, Beto Grill, por secretários e
por assessores mais próximos chegou a ter quatro reuniões em uma mesma
semana para tratar do tema. Mas não se via reflexo das tratativas nas
ruas, onde a ousadia dos PMs seguia deixando sua marca. O Piratini
avaliava que a situação podia piorar.
As críticas se multiplicavam. Em duas
reuniões com a Casa Civil, deputados da base aliada alertaram que a
percepção “lá fora” era de que a BM fazia “corpo mole” e estava
“vacilando”. Pediram uma reação mais forte.
O governador designou membros do núcleo
do governo para monitorarem os efeitos que os protestos alcançavam na
população e na tropa. A leitura foi de que seria pior apostar na
repressão antes de contentar as tropas. Poderiam construir mártires,
gerando um sentimento de solidariedade dentro dos quartéis, legitimando
os atos de rebeldia. Até o motim dos bombeiros no Rio de Janeiro, em
junho, foi evocado. Avaliaram que o governador Sérgio Cabral teria
ficado isolado ao reprimir a rebelião, permitindo que se confundisse com
as reivindicações legítimas dos bombeiros.
A BM mandou reforçar o patrulhamento
noturno nas grandes cidades, mas as ações não tiveram efeito imediato
para estancar a rebeldia. Os protestos subiram em direção à Praça da
Matriz. O primeiro foi em forma de falsa bomba na madrugada de 15 de
setembro. Ao amanhecer, o chefe da Casa Civil, Carlos Pestana, passou
três horas ao redor de uma mesa com representantes de soldados,
sargentos e tenentes. A orientação do governo era “encerrar o assunto”.
R$ 91, a senha para o acordo
Os PMs demonstravam dificuldade em
assimilar a proposta de incorporar, ao longo de três anos nos
vencimentos, R$ 300 de abono da oferta inicial. Todos faziam contas,
inclusive os PMs. O último lance veio de improviso. Pestana rabiscou uma
ideia: em vez de R$ 300 de abono, R$ 91 de acréscimo no salário básico
de todos os PMs de nível médio. Para um soldado, os R$ 91 equivalem a
23% de aumento. Bingo. Os PMs de ambas associações balançaram. Admitiram
que desde o governo Jair Soares não havia avanço na mesma proporção.
Mas quanto maior o salário, menor o
percentual que os R$ 91 representam e, ao longo daquela semana, o
governo recebeu indicativos de que sargentos e tenentes – que ganham
mais – rejeitariam a proposta.
Na quinta-feira, 22 de setembro, com a
aceitação dos soldados à proposta, houve comemoração no governo. A base
estava contemplada. Mesmo sem fechar com sargentos e tenentes, o clima
era de alívio, já que essa categoria não teria poder de fogo para abalar
a corporação. Às 18h daquele dia, o presidente da Associação dos
Sargentos, Subtenentes e Tenentes, Aparício Santellano – que não havia
participado das negociações anteriores porque se recuperava de uma
cirurgia –, mantém um diálogo tenso com o primeiro escalão. Em vez dos
R$ 91, afirma que a categoria só aceitará um reajuste de 23% para todos
servidores de nível médio da BM.
– É tudo ou nada – insistiu.
– Se é tudo ou nada, sinto muito, então é nada. Vamos mandar o projeto para a Assembleia assim mesmo – rebateu Pestana.
– O governo deveria pensar bem no que
está fazendo. Não sei o que pode acontecer daqui para frente – ameaçou
Santellano, que diz não se recordar bem se chegou a falar que as portas
do inferno iriam se abrir (como testemunhas relatam).
Ao amanhecer de sexta-feira, 23 de
setembro, um novo artefato foi encontrado na Rua Fernando Machado, no
quarteirão atrás do Piratini, desta vez, com material explosivo e com
ameaça escrita a Tarso e familiares. Logo em seguida, reunido com o
secretário da Segurança Pública, Airton Michels, o coronel Sérgio e
Pestana, Tarso classificou o episódio como “inadmissível”. Mais tarde,
perante outros subordinados, pediu que não se “dramatizasse” o episódio.
– Alguns membros da equipe ficaram mais tensos do que o governador – conta um integrante do primeiro escalão.
PM2, alvo de desconfiança
Na terça-feira, Tarso criticou
publicamente os aparatos de inteligência da BM. A PM2, como é conhecida,
é peça-chave na engrenagem do comando. É o setor mais bem informado –
ou deveria ser –, com a missão de antever problemas e evitar surpresas
desagradáveis à BM e ao governo.
Mas a PM2, que infiltra com sucesso
agentes para investigar crime organizado e movimentos grevistas e
sociais, foi incapaz de alertar para uma crise nascida dentro dos
quartéis. Quem reconheceu isso foi Tarso, ao cogitar um possível
corporativismo.
Grande parte da tropa interpretou as
palavras do governador como ordem clara para substituir o major Alberi
Rodrigues Barbosa na chefia da PM2. A crítica de Tarso também soou como
um alerta para mudanças em postos mais acima. Embora prestigiado pela
lealdade e afinidade com o PT e pelo conhecimento científico e
intelectual (Sérgio é professor universitário), o comandante-geral
enfrenta o desgaste de estar à frente da tropa em um momento singular e
também por não reagir com a agilidade esperada.
Além disso, existem as pressões naturais
sobre aquele que está no comando-geral. A cadeira é cobiçada por outros
30 coronéis. E parte deles tem aproveitado a crise para lançar
candidatura. Um oficial fez chegar a Tarso a informação de que, se fosse
comandante, em uma semana os autores dos protestos estariam presos. E
tem gente na SSP que acredita nisso.
– Em uma semana não digo, mas, quem sabe em duas… – comentou um graduado oficial ligado a SSP.
Mas nem seus desafetos apontam Sérgio
como responsável isolado pelos erros da PM2. O setor vem sofrendo um
desmonte nos últimos anos por conta da falta de pessoal. Já teve 150
homens e hoje conta com cerca da metade disso para acompanhar assuntos
de interesse em todo o Estado. Além disso, a concepção de trabalho da
PM2 vem sofrendo uma mudança de foco, voltado mais para o levantamento
de informação, sem uma visão mais abrangente sobre crime e sem sugerir
soluções.
Na quarta-feira, em almoço na Assembleia
com deputados do PT, Michels ouviu de um petista a sugestão de afastar a
PM2 das investigações. A ideia seria passar o caso para as mãos da
Polícia Civil, que só tem investigado os casos fora da Capital.
Michels manteve a BM no caso.
– Confio na BM. Eles vão resolver o problema – teria justificado.
Duas dezenas de suspeitos
À noite, Tarso desceu até a Rua dos
Andradas e passou quase duas horas no quartel-general da BM com Sérgio e
oficiais da cúpula. Acompanhado de Michels e outros assessores, o
governador ouviu uma exposição sobre o andamento da investigação. O
resultado foi a menção a duas dezenas de suspeitos – em 26 inquéritos –,
cinco deles soldados e sargentos da BM.
A discussão em torno da política
salarial ganhou contornos de solução, mas a chaga aberta pela crise dos
50 dias ficou. Integrantes do governo têm dificuldade para falar sobre a
demora que houve na resposta aos atos de rebeldia. Há quem avalie que a
letargia se deu porque seguem em postos chaves oficiais ligados a
governos anteriores, especialmente ao de Yeda Crusius (2007 a 2010), do
PSDB.
– Essas pessoas prejudicam a capacidade
de avaliação do que está ocorrendo e de dar resposta no tempo certo –
diz um integrante do governo.
Sem endossar o coro de avaliações
negativas a respeito do comandante-geral, o secretário Michels defende o
trabalho feito até agora pelo coronel.
– Não se pode confundir tranquilidade e
inteligência com inoperância. O comandante tem trabalhado, e os
resultados virão. Não é fácil quando não se tem flagrantes – garante
Michels.
– Mesmo que tenha havido demora, não se
questionou a permanência do coronel Sérgio. É preciso também entender
que a negociação se arrastou mais do que o governo esperava – avalia o
coordenador executivo da Assessoria Superior do governador, João Victor
Domingues.
Nos bastidores do Executivo, no entanto,
a atuação do comando da BM e da Casa Militar, responsável direta pela
segurança do governador e de seus familiares, sofre críticas. Como
ameaças chegaram tão perto do gabinete de Tarso sem que a inteligência
da Casa Militar conseguisse prever ou agir para identificar
responsáveis? Depois da bomba, o governo teria se mobilizado para tentar
retomar as rédeas da situação e fechar a ferida aberta com pneus
queimados, bombas e ameaças.
adriana.irion@zerohora.com.brjoseluis.costa@zerohora.com.br
vivian.eichler@zerohora.com.br
ADRIANA IRION, JOSÉ LUÍS COSTA E VIVIAN EICHLER
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